Blog da Igualdade Racial
Blog que pretende ser mais um instrumento na luta contra o preconceito, o racismo e a intolerância no Brasil
quarta-feira, 17 de junho de 2015
quinta-feira, 11 de junho de 2015
sexta-feira, 3 de outubro de 2014
Justiça condena homem por racismo contra gerente de supermercado no DF - Instituto Luiz Gama
O NED (Núcleo de Enfrentamento à Discriminação) do MPDFT (Ministério Público do DF e Territórios) obteve condenação de um brasiliense na 1ª Vara Criminal de Taguatinga pelo crime de injúria racial qualificada. Na decisão, a juíza condenou o homem a dois anos de prisão, substituída por penas restritivas de direitos, fixando o pagamento de R$ 4 mil como reparação dos danos morais causados pela infração.
De acordo com a denúncia, o condenado foi a um supermercado para comprar fraldas, mas, em razão de uma diferença de preços entre o encarte e o valor encontrado no supermercado, iniciou uma discussão com o gerente. O acusado chamou o gerente de "ladrão, preto safado, gerente de merda", na presença de diversas pessoas.
O promotor de Justiça Thiago Pierobom, coordenador do NED, considerou peculiar a decisão da juíza.
— É o primeiro caso em que o Núcleo consegue que o Poder Judiciário reconheça que a condenação por crime de injúria racial exige a fixação de indenização por danos morais à vitima, conforme previsão expressa do art. 387, IV, do Código de Processo Penal.
No mês passado, o TJDF (Tribunal de Justiça de Brasília) também condenou um psicanalista acusado de ofender uma funcionária de um cinema de um shopping em Brasília, devido à cor da pele da vítima. A sentença o condenou por “ofensas à honra vítima, consistente na utilização de elementos da raça e da cor”. O valor da indenização é de R$ 50 mil. O réu recorreu da decisão, que vai ser julgada em segunda instância.
Por mudanças revolucionárias que só o povo organizado pode fazer - Afropress
O sistema político eleitoral e partidário, instaurado pela Constituição de 1.988, dá sinais evidentes de exaustão e esgotamento. O modelo de governança iniciado em 1.995 por FHC e continuado por Lula/Dilma, a caminho de mais um mandato, completará 20 anos sem ajustar contas sequer com a herança maldita do regime militar.
A ditadura continua ativa na democracia tutelada que herdamos, fruto de uma transição negociada como se pode ver no veto que os militares continuam a fazer de que sejam punidos os torturadores, os que mataram e desapareceram com os corpos de centenas de brasileiros como fizeram com o ex-deputado Rubens Paiva.
Nessa democracia tutelada são ainda os militares que definem o que pode e o que não pode, como ficaram evidentes recentes vetos do comandante do Exército as conclusões da Comissão Nacional da Verdade.
Nesse tipo de democracia, cidadãos são compulsóriamente obrigados a votar de quatro em quatro anos e ou de dois em dois anos, em candidatos que o mercado avaliza com milhões de reais em campanhas bilionárias, bancadas por empreiteiras e empresas com negócios no Estado.
Tudo se passa como se fosse de verdade, o que é de mentira: o voto do cidadão comum, que comparece às urnas munido de boa fé, não vale o mesmo que o de empresas privadas, que não vão as urnas mas, via de regra, decidem nos bastidores quem deve ou não se eleger.
A regra é essa, o resto é exceção e as exceções apenas confirmam a regra. Estamos diante de uma farsa, portanto, a farsa da democracia representativa à brasileira.
Rico e desigual, sempre
O Brasil é a 7ª economia do mundo, mas continua campeão em desigualdade. Estamos entre os 10 países mais desiguais do mundo. Há uma há uma recusa sistemática dos que mandam no Estado e tem sob controle o aparato repressivo, em fazer o ajuste de contas com a herança não menos maldita dos quase 400 anos de escravidão, que mantém negros (53,1% da população, de acordo com a mais recente PNAD), em situação crônica de desvantagem.
A maioria negra ganha menos, mora mal, não tem as mesmas oportunidades de acesso a Educação, ocupa posições subalternas no mercado de trabalho (vive de bicos, na informalidade) e morre mais cedo, inclusive pelas condições de moradia e do atendimento precário à saúde. Em resumo: vive mal e morre cedo.
Além de muito rico, o Brasil pretende se apresentar ao mundo como um país moderno, mantendo os privilégios dos que que, históricamente, sempre fizeram do Estado seu espaço de negócios e usufruto.
Os ricos continuam cada vez mais ricos. Nunca antes na história desse país, os três principais bancos (Bradesco, Itaú e Santander), tiveram lucros tão fabulosos. Acomodar-se a essa situação, como fizeram os que trocaram o projeto de país por um projeto de poder, é abandonar o sonho generoso pelo qual morreram homens e mulheres em um passado recente, de um país fraterno e solidário em que a riqueza produzida seja distribuída pelos que a produzem, com Justiça e oportunidades iguais para todos.
Jogo de cartas marcadas
O modelo político eleitoral e partidário está em vias de esgotamento porque os Governos em todos os níveis se tornaram balcões de negócios e os partidos meros intermediários.
As multitudinárias manifestações que abalaram o país de norte a sul em junho de 2.013, com reivindicações difusas, mas legítimas e todas ignoradas, são a prova definitiva da falência. O espaço da política – que por definição é o espaço do exercício da cidadania de cidadãos livres – foi ocupado pelo mercado - deixou de ser instrumento de mudança para se tornar um negócio rentável para alguns, prejudicial para todos.
Não por acaso hoje, as figuras mais importantes nas campanhas, depois dos candidatos, são os marqueteiros, pagos a peso de ouro. Tais personagens passaram a substituir o livre debate das idéias e dos programas por maquiagens da realidade apresentadas por técnicas refinadas de propaganda. É tudo um jogo de cena conveniente para a manutenção da farsa, do circo, um jogo perverso de cartas marcadas.
Os principais problemas, as principais demandas, como a necessidade das reformas que vem sendo ignoradas há séculos, se tornaram assunto proibido nessas campanhas de marketing. Não há debate, nem confronto de ideias e posições, muito menos de projetos.
A sensação que qualquer pessoa com um mínimo de consciência, sensibilidade e informação é de que não há diferenças, a não ser pelas roupas dos candidatos ou tiques nervosos com que traem o papel de atores que se adaptam à exposição nos palcos.
Os projetos são rigorosamente os mesmos e não por acaso, aqueles que aparecem à frente das pesquisas – também orientadas pelo mercado de votos e úteis no papel de influenciar os que votam – não podem tocar em determinados assuntos e desviam a discussão para a agenda de costumes – uma agenda marcada pelo conservadorismo.
O resultado é que se vai às urnas para se cumprir tabela, para validar o título eleitoral e evitar as penas e punições a quem deixa de votar, evidência maior de que, sem o voto facultativo, o que deveria ser direito passa a ser dever, sujeito à penas.
Com esse tipo de democracia, contestada em escala planetária, com esse tipo de Estado, apropriado pelos donos do dinheiro e do capital e dividido pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, todos subordinados ao primeiro, de onde saem os recursos para a manutenção dos demais, não é difícil constatar quem são os principais beneficiários.
Os candidatos do mercado e seus coadjuvantes
Os candidatos que disputam a Presidência – Dilma, Marina e Aécio – todos em maior ou menor medida são candidatos do mercado. Basta ver de onde jorram os recursos em milhões que abastecem essas candidaturas.
Os candidatos que os contestam são de dois tipos: 1) ou fazem parte da geléia geral bancada pelo Fundo Partidário para dar a ilusão de uma democracia, que sequer pode manter a transparência do voto, tendo em vista as fragilidades já provadas por especialistas no modelo adotado de urna eletrônica; 2) ou são lutadores honestos que se mantém aferrados a visões sectárias e doutrinaristas da luta por transformações, o que os impede de avançar para a construção de instrumentos verdadeiramente populares e revolucionários para o Brasil. São coadjuvantes – alguns bem toscos – que avalizam o sistema e o modelo e lhe dão alguma sobrevida nessa aparência de democracia do mercado.
A “velha” e a “nova” política: mais do mesmo
A crise continuará. Pior: se agravará porque as soluções passam por reformas profundas que os beneficiários da “velha” e da “nova política” se recusam a promover. Eis a razão para a profunda descrença do povo na política e nos políticos.
Contudo, é - e será sempre - na luta política e popular que está o caminho para romper com o círculo de ferro dos que querem o Estado apenas para satisfação dos seus interesses e manutenção dos seus privilégios.
A luta política e popular nesse momento passa por uma Assembléia Nacional Constituinte, a ser convocada por quem seja eleito, independente e soberana, capaz de fazer com que o povo brasileiro encontre espaço para a construção de um novo pacto político, que possibilite a realização, no âmbito de um Estado Democrático de Direito, das reformas que vem sendo proteladas há séculos.
Uma constituinte que promova as reformas do modelo político com a introdução do voto facultativo, candidaturas autônomas e mandatos revogáveis; nos modelos sindical e partidário; a reforma urbana e agrária, que garanta terras para os trabalhadores do campo e não as torne privilégios da exploração do agronegócio (que gera divisas, e também carência de alimentos e expulsão do homem do campo para engrossar a miséria nos grandes centros urbanos); uma reforma tributária com a taxação das grandes fortunas; uma reforma do Código Penal e do modelo prisional em que 700 mil detentos, na sua quase totalidade, pobres e negros se amontoam em “masmorras medievais”, conforme definição do próprio ministro da Justiça; uma reforma dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, que garantam, participação da cidadania ativa, por meio de referendos e plebiscitos e represente uma esperança de melhoria de vida para todos.
Uma reforma, enfim, que complete a Abolição que aconteceu há 126 anos, mas que nunca foi concluída, e que permita a inclusão dos milhões dos homens e mulheres negros que se mantém às margens como cidadãos de segunda classe.
Sem essas reformas, o Brasil e o povo brasileiro, continuarão reféns desse modelo que produz concentração de renda, racismo, machismo, discriminação, miséria e violência para as maiorias.
Nessa perspectiva, não há outra saída senão reunir todos os homens e mulheres que não abdicaram do sonho nem da utopia, e seguem lutando por transformações revolucionárias no Brasil, os que não aceitam o círculo de giz traçado em nome de uma governabilidade que se tornou um condomínio de fraudadores e aproveitadores das riquezas geridas pelo Estado.
Por isso, a Afropress indica candidatos cujos nomes estarão nas urnas neste domingo (05/10), a partir de uma enquete com seus colunistas e leitores em vários Estados do país.
Solidão que assola, as mulheres em situação de abortamento - População Negra e Saúde

Ao pensar sobre o dia 28 de setembro, Dia pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe, um dia em que o movimento feminista e de mulheres intensificam a sua agenda acerca da descriminalização e legalização do aborto e acompanhar as noticias de mortes de mulheres que realizaram aborto clandestino, me debruço a refletir sobre dois pontos , pois como é um fenômeno, o aborto, tem muitos fatores que o cerca.
Antes de tudo gostaria de trazer e relembrar que o aborto é um caso de saúde pública e de direito humano. As mulheres que morrem por aborto, não é a causa em si, mas onde esta inserida de forma precária, insalubre e composta de todas as desigualdades sociais. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (2004) o aborto inseguro é um procedimento realizado por pessoas sem as devidas habilidades ou em ambientes sem os mínimos padrões médicos, ou ambos.
Bem, retomando os dois pontos, inicialmente gostaria de dialogar sobre o caminho de solidão das mulheres ao percorrer todo o processo até chegar ao aborto, nos dois casos das mulheres que morreram ao realizar um aborto inseguro elas estavam sozinhas, sem os seus parceiros, colocando desta forma as mulheres em maior vulnerabilidade. O artigo de Carneiro, Iriart e Menezes (2012), que vai tratar das mulheres em situação de abortamento nos serviço de saúde e que permanecem sozinhas no serviço, isolada sem nenhuma atenção dos profissionais de saúde, como o próprio titulo do artigo “Largada sozinha, mas tudo bem”. Como as mulheres ao realizarem aborto, o serviço de saúde que prestam a atenção a elas são as maternidades as mulheres ficam submetidas a serem julgadas, discriminadas e comparadas com as mulheres que vão parir, ficando elas em ultimo plano.
É necessário pensar em estratégias de garantir a atenção as mulheres em situação de abortamento que não submetam as mulheres tamanha violência e violação, pois de acordo com o Ministério da Saúde “a atenção humanizada às mulheres em abortamento merece abordagem ética e reflexão sobre os aspectos jurídicos, tendo como princípios norteadores a igualdade, a liberdade e a dignidade da pessoa humana, não se admitindo qualquer discriminação ou restrição ao acesso à assistência à saúde. Esses princípios incorporam o direito à assistência ao abortamento no marco ético e jurídico dos direitos sexuais e reprodutivos afirmados nos planos internacional e nacional de direitos humanos” (Brasil, 2005). Mas o exercício do direito das mulheres passa pelo campo das decisões pessoais dos profissionais de saúde, que cegamente não se preocupam em garantir esse exercício.
E a outro ponto, é sobre o que levam as mulheres a abortar que muitas vezes estar carregado de fatores socioeconômicos e culturais, e nos casos de Jandira Magdalena dos Santos e Elizângela Barbosa temiam em perder em seus empregos, com isso a realização do aborto tinha como garantia a permanência do trabalho, com isso apresentando mais um outro cenário sobre o direito e a dificuldade das mulheres em exercer a maternidade, mesmo que desejem, considerando que o mercado de trabalho desconhece a profissional gestante, vejam o artigo“Aborto e machismo no mercado de trabalho” de Jarid Arraes. Sabemos que leis trabalhistas garantem as mulheres o direito a maternidade, mais quais mulheres estão cobertas por esse direito?
A autonomia de ser e estar no mundo são importantes para lutar pela garantia do livre direito de exercer a saúde reprodutiva e principalmente do direito de não morrer.
Liberdade para não morrer e autonomia para escolher, e o direito para garantir
Referencias
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Abortamento Seguro: Orientação Técnica e de Políticas para os Sistemas de Saúde. Campinas, 2004.
BRASIL. Ministério da Saúde. Atenção Humanizada ao Abortamento: norma técnica. Brasília, 2005.
*Enfermeira, Movimento de Mulheres Negras, Odara Instituto da Mulher Negra, Doutoranda em Saúde Pública/ISC/UFBA.
Sexo e as Negas: quais os regimes de visibilidade possíveis? - Portal Africas
A insurgência em torno dos regimes de visibilidade em voga
Desde que foi anunciado, o seriado da TV Globo, “Sexo e as negas”, dirigido por Miguel Falabella, teve repercussão sísmica no tecido social: dos movimentos e organizações de mulheres negras aos setores preocupados em novos regimes de visibilidade de grupos historicamente discriminados, desenhou-se uma trajetória de amplo espectro; o raio de ação das(os) insurgentes espraiou-se em território amplificado, seja esse território real ou virtual. Além das manifestações públicas presenciais, a ubiquidade e instantaneidade das plataformas digitais também laboraram em favor da ação política organizada. Uma torrente de comentários, artigos e depoimentos vem emergindo nas redes, outorgando ineditismo às formas de reação ao programa: ao modo das(os) enxadristas, que preveem com a máxima antecedência possível seus próprios lances e os da(o) adversária(o), diversas pessoas e grupos anteciparam a contraofensiva ao seriado sem que fosse preciso a exibição do primeiro episódio, no último 16. Pelo que se vê, essa “fortuna crítica” não apresenta mínimo sinal de esgotamento.
Assistiu-se, em primeira mão, ao desfile dos significantes estereotipantes e estigmatizantes que se acoplaram às protagonistas do programa, projetando identificações individuais que fundam as identificações coletivas. A hastag “Sexo e as negas não me representa” ganha força explicativa nesse princípio, considerando que a posição-de-sujeito das protagonistas se define por uma coletividade.
O seriado, a adaptação e a boa intenção do diretor: onde está o racismo?
Segundo Falabella, “Sexo e as negas” foi inspirado na extinta série americana “Sex and the city”, baseada no livro de mesmo nome, de Candace Bushnell, Scott B. Smith e Michael Crichton. Ambientada na cidade de Nova Iorque, a série versava sobre as relações íntimas de quatro mulheres. Uma comédia de situação que trazia temas relacionados ao lugar e papel da mulher na sociedade. Dono de um coração suburbano, como assim o definiu a poeta Elisa Lucinda, Falabella escolheu parodiar a matriz norte-americana sem oglamour das classes abastadas.
Ao invés de fazer uma série com mulheres da zona sul carioca, o diretor optou por transpor “Sex and the city” para o habitat das pessoas comuns, de “gente como a gente”. Ouvindo a voz do seu coração suburbano, o diretor substituiu mulheres brancas por mulheres negras (o que seria mais apropriado, a meu ver, manter o programa no cenário edulcorado da zona sul, pois a paródia, quando não bem produzida, como é o caso em questão, escorrega para um campo estético e político duvidoso. Aliás, o diretor já demonstrou pouco dom para essa tarefa: que o digam os programas “Sai de baixo”, “Toma lá, dá cá” e “Pé na cova”). A versão tupiniquim do programa relata a vida de quatro mulheres da comunidade de Cidade Alta, em Cordovil, no Rio de Janeiro: a camareira Zulma (Karin Hils), Tilde (Corina Sabbas), Soraia (Maria Bia) e Lia (Lilian Valeska).
Eis que flagramos a cena fundante, o ato de instituição que recorta campos onde o estereótipo encontra confortável abrigo a partir da posição-de-sujeito conferida a essas quatro mulheres: ao adaptar quase tudo (cenário, lugar, dilemas da vida prática, pertencimento racial), algo permanece sem alteração em “Sexo e as negas”: o lugar narrativo detonador das histórias dessas mulheres emerge da voz de uma pessoa branca. A atriz Claudia Jimenez, na pele de Jesuína (ou vice-versa), de coadjuvante oficial passa a ocupar, na verdade, um papel de protagonista extraoficial, considerando que os relatos emanam dos nós discursivos que ela ata e desata. Soma-se a isso a narração em off, tarefa do próprio Falabella, um homem branco que não sai de cena, que não resiste a conduzir discursivamente o destino narrativo (e real) das “negas”.
A essa altura, podemos inquirir: por que nesse expediente nenhuma alteração, já que quase tudo foi adaptado ao modus vivendi das ditas “mulheres de garra da comunidade”? Poderíamos abreviar a questão com o sintético e pedagógico enunciado: “é o racismo, estúpido!” Mas, como diz o adágio popular, “primeiro encontre, depois procure”, procederemos ao modo de Drummond de Andrade, no poema Áporo, “um inseto cava/ cava sem alarme/ perfurando a terra/ sem achar escape”… Continuamos cavando à procura de escape, de pistas que nos forneçam elementos para avaliarmos como o racismo se configura no programa em exame. Se, a título de denúncia, dizê-lo racista possui força diamantina, para a compreensão do seu modo de funcionamento tal afirmação não é suficiente.
A propósito, um contra argumento que circulou em demasia nas redes sociais e na imprensa em geral, advindo dos defensores do programa, e mais ainda de Miguel Falabella, é que o diretor não é racista. Disso dá testemunho o fato de ele ser o diretor que mais emprega atrizes e atores negros na emissora global, ter vários amigos negros, possuir uma ligação afetiva com o subúrbio porque de lá proveniente, e por aí vai… As defesas, que se articularam com a rapidez de um raio, não mostraram-se consistentes para sair do campo dos afetos, dos comportamentos do indivíduo Miguel (sem o sobrenome para marcar a intimidade dos seus apoiadores) e das cenas consideradas um avanço na enunciação imagética de personagens negras (insisto: o avanço de um programa, no que diz respeito aos estereótipos, não se mede pelas eventuais cenas “positivas”, mas nessas posições-de-sujeito).
A cada acusação de racismo que recai sobre o diretor, desfia-se um rosário de benfeitorias que ele empreendeu no território afirmativo de combate à discriminação racial. Em suma, pelas palavras da defesa, e pelos subentendidos que as habitam, tudo isso dá prova inequívoca de que no fundo ele está “do nosso lado” e que a estridência de uma certa militância negra só encontra chave explicativa pelo viés de um desajuste analítico, portanto, de injustiça sem par. Em tempo: se injustiça se corrige com reparações, o que representa a medalha que Falabella receberá da Faculdade Zumbi dos Palmares? (Ressalte-se, ainda, que as(os) amigas(os) que o defenderam são negros(as), em sua maioria: Elisa Lucinda, a atriz Sheron Menezes e sua mãe compõem a lista).
Os defensores de Falabella não levaram em conta, porém, que “ao falar, nós somos falados”. Deixamos sempre escapar as molduras que nos guiam nas formas de concepção e atuação no mundo. A reação em cascata ao programa, oportuna sem dúvida, não pode ser desqualificada como patrulha sem fundamento. O lugar subalternizado, em termos de trama discursiva, das quatro mulheres negras correspondem “a posições-de-sujeito postas em discurso. “Claro que importa notar aqui que as mídias nos oferecem, o tempo todo, estas posições-de-sujeito assim como os critérios, ou seja, as condições de ocupação”. (Gomes, 2009, 35). Parece ser daí que os significantes estereotipados de “Sexo e as negas” emergem e ganham força simbólica.
Frente a isso, somos provocadas a um duplo desafio. Enfrentar essas “posições-de-sujeito” na trama do seriado exige o esforço de irmos além do binômio racista/não-racista com o qual podemos enquadrar o programa e seu diretor. Aferrar-se apenas a esse julgamento deixa largas margens de indeterminação para o enfrentamento do racismo nas mídias, nos enredam em disposições opostas que se digladiam, porquanto as duas opções são irreconciliáveis para os defensores de “Sexo e as negas” e até mesmo para quem o ataca (um programa estereotipado ou racista não se coaduna com uma pessoa que não seja racista). Mas será?
O teórico camaronense Achille Mbembe, pensador dos estudos pós-coloniais, descreve o racismo como prática da imaginação. Neste caso, todo recurso que coloca o peso no sujeito da ação, no “Fato em si”, nas cenas parciais e fragmentárias que atestaria um protagonismo artificial das personagens negras pode ser visto como uma interdição ao imaginário; advogar, incisivamente, a favor ou contra Miguel Falabella unicamente (isso não significa dizer que ele não deva ser responsabilizado); destacar o percurso de suas boas intenções significa extrair do Fato seu suplemento imaginário, um ato de censura contra o significante que desloca esse Fato para um mundo pré-organizado por campos que hierarquizam e de onde emana ovisível. Pôr em relevo essa outra cena, a do imaginário, nos leva ao campo da Política, pensado em seu sentido abrangente, de ser baliza para a participação e intervenção no mundo. Mas como fazer essa intervenção em um território, como o das mídias, tão complexo do ponto de vista das materialidades significantes que maneja?
Sem sombra de dúvidas, a união entre Política e Imaginário desenha um horizonte em que poderemos construir um solo firme para retrabalharmos ou, mais ainda, implodirmos os significantes vigentes. Tal junção constitui-se num lugar importante para o qual convergem estudos sob a rubrica das políticas de reconhecimento, visto que consegue apontar as estratégias de formação discursiva das mídias e os processos de exclusão que lhe são intrínsecos. Num mundo em que ser é ser visível, tais processos se oferecem a embates políticos, a ações reivindicatórias de extrema urgência. Desse modo, essa intervenção significa entender os meandros das máquinas de produção e circulação dos discursos da atualidade, obrigando-nos, assim, a mapear os significantes que os acompanham.
Televisão e contratos de identificação
A televisão, a máquina mais expressiva de fabulação já inventada até o momento, constitui-se em um agrupamento de relatos que se sucedem diariamente, em um cenário narrativo onde se inscrevem as possibilidades de homogeneização das expectativas dispersas no tecido social. Com uma grade de programação que se repete diuturnamente, a TV parece confirmar o seu papel de, a cada dia, apresentar inovações. No fluxo da programação global, “Sexo e as negas” seria o novo que se estrutura como seriado.
Porém, sob o núcleo do novo que irrompe na programação televisiva, há algo que sempre retorna (esse retorno pode se dar em diversas dimensões e aspectos: tanto pode ser a continuidade do novellusdiscursivo dos programas [a telenovela espelha bem essa situação] quanto o ressurgimento de programas e formatos de tempos imemoriais, seja da própria TV ou de outros veículos). Essa repetição e redundância, traço essencial dos enunciados televisivos, tornam explícito que algo insiste nos relatos.
A filosofia e a psicanálise nos ensinam que a repetição guarda um caráter transgressor, suscita sempre o diferente. Sob esse ponto de vista, ao repetir algumas fórmulas, os programas televisivos dão margem para o novo/outro. O caráter transformador da repetição assinalada por Gilles Deleuze nos dá a medida dessa operação: “o eterno retorno não pode significar o retorno do idêntico, pois supõe, ao contrário, um mundo (o da vontade de potência) em que todas as identidades prévias são abolidas e dissolvidas. Voltar é ser, mas apenas o ser do devir”.
Freud descreve o movimento do fort-da (o para lá e para cá do carretel jogado pela criança na ausência da mãe), onde o espírito renovador da repetição se revela. Segundo ele, a ausência da mãe provoca uma situação faltante, para ambos, mãe e filho. O jogo que tem como suposto o retorno do carretel ou da mãe, não retorna com o “mesmo”, trata-se de uma completude imaginária, nunca efetivada e, portanto, impossível de ser devolvida. Uma vez que não se devolve o mesmo, o que emerge dessa situação é “outra coisa”.
Mas por que não conseguimos divisar o “novo”, essa “outra coisa”, de que nos fala a psicanálise e a filosofia, nas narrativas que contam a história vida das quatro mulheres negras - as ditas protagonistas do seriado? Por que essa repetição nos redireciona ao já-dito ao já-sabido? Por que as personagens, interpretadas por atrizes muito talentosas, foram esvaziadas de sua potência transgressora, visto que poderiam ocupar outras posições-de-sujeito e, assim, tornar plurais as histórias que se contam das mulheres negras nas narrativas ficcionais, donas de sua própria voz?
Ao que tudo indica, a operação que se efetiva é aquela esboçada por Lacan, a situação do disco-corrente, que canta o “discursocorrente”, nos faz falar como papagaios, que gira, mas se engata no mesmo lugar, “pois o que gira está destinado, por seu enunciado mesmo, a evocar o retorno: “(…) ele gira, ele corre, ele gira muito exatamente para nada”. Trata-se de um repetição que fixa, que represa o movimento do novo.
A noção de contrato, debate recorrente no universo da comunicação, nos provê ferramentas para fazermos o disco girar sem que ele se engate em restos de significantes herdados pelas marcas da repetição, sem que traga vestígios de traços caídos de signos com data de validade vencida. O contrato diz respeito uma ação comunicativa em que um discurso se instala ou reinstala em categorias facilmente identificáveis. O código precisa alcançar universalidade, ser reconhecido sem grandes obstáculos. Preguiçosamente, esses códigos acomodam-se a estereótipos e estigmas no espaço das mídias. O quadro em que as narrativas verbovisuais se deixam pintar recorta o mundo a partir de certo enquadramento.
Assim, parece que o posicionamento discursivo das protagonistas do seriado em lugares já previamente delimitados e conhecidos encaixa-se no código “facilmente identificável”: mulheres que não são associadas ao lugar de poder (a cena da pulseira em que a colega branca entrega o objeto para uma das personagens, sabendo de antemão que estando com ela estaria num lugar seguro, visto que ninguém se atreveria a pensar que aquele corpo negro portaria algum objeto de valor; a remissão ao falo do homem negro, sempre evocado pelo tamanho de grandes proporções; o sexo fácil em noites desalentadoras…). Como que tentando brincar com a ordem imaginária, por vezes o programa tenta nos iludir, operando algumas inversões simplistas, o que confere aparente protagonismo e poder às mulheres negras: o poder do falo parece em alguns momentos transferido para uma das personagens, que escolhe onde quer manter relações sexuais para depois fazer troça do tamanho do órgão sexual do seu parceiro. Por serem assaz simplistas, tais inversões não conseguem instalar outra ordem discursiva.
Insistiriam os defensores de “Sexo e as negas” e de Miguel (permaneço aqui sem citar o sobrenome) na cantilena de que é mais ou menos assim, como o seriado as retratam, que as mulheres negras vivem, que a Globo orientou-se por pesquisas abalizadas pelas experiências desse grupo (o que não é verdade). A enunciação de tais crenças é um atestado de que o imaginário cria as ilusões necessárias, o que faz parecer, assim, “natural” que o mundo se constitua tendo, por exemplo, a beleza como correlata da brancura, o sucesso como algo sucedâneo da trajetória de mulheres e homens brancos. Isto significa que é do imaginário que se edificam as nossas construções sociais, que se sedimentam as nossas precárias certezas que fazem corresponder imagem projetada e realidade vivida. Mas não nos enganemos: o significante não trabalha por conta própria, ele dedica-se o tempo todo a apagar os traços de seus passos, a abrir-se, imediatamente, à transparência de um significado, de uma história que é na realidade fabricada por ele, mas que ele aparenta apenas “ilustrar”.
Ora, mesmo que traga cenas “diferenciadas”, numa escala positiva, como querem ver alguns, “Sexo e as negas” não consegue dialogar com o espírito do tempo. A despeito dos dados que ainda apontam a presença majoritária de mulheres negras em espaços subalternizados, inquestionáveis deslocamentos vêm acontecendo nos últimos anos: para além de mulheres lutadoras, que labutam nas posições mais desprestigiadas, adentramos, também com luta e inteligência, à universidade (é sintomático nenhuma delas fazer universidade, considerando que o o Prouni alargou a entrada dos mais pobres), somos médicas, adentramos o magistrado brasileiro, marcamos presença nas engenharias, na astronomia. Será que tais deslocamentos visíveis no tecido social não dialogam com os códigos que se apresentam como novo nas narrativas da TV e congêneres? Tais alterações foram tão insignificantes a tal ponto de não conseguirem desengatar o disco que se engata no mesmo lugar? Uma advertência: mesmo que essas mudanças não tivessem ocorrido no plano da vida concreta, ainda assim, a necessidade do disco girar efetivamente converte-se, em um país hierarquizado racialmente, em um imperativo político porque capaz de tirar mulheres negras do aprisionamento provocado pelas ruínas trazidas pela palavra que nomeia, portanto, ordena e acomoda. Trata-se de políticas de representação levadas a cabo até em países onde a população negra é minoritária.
A coisa se complica quando voltamo-nos para os paradigmas em voga, os padrões que guiam as rotinas produtivas da comunicação midiatizada. Inegavelmente, as mídias remodelam seus discursos de acordo com tais paradigmas forjados pela ordem do mercado. Tornou-se moeda corrente se dizer que o “mandato do leitor” (por leitor, entenda-se telespectador, internauta e outras derivações) é o paradigma contemporâneo que orienta o fazer das empresas de comunicação. Quem ousa não ouvir a voz do leitor está fadado ao fracasso. E o leitor, nesse caso, não sou eu, nem você, individualmente, mas coletividades por onde se insinuam as tendências, mudanças e demandas.
Quer nos parecer que, em se tratando de narrativas sobre e para mulheres negras, a mídia, em geral, despreza solenemente a voz do seu leitorado. E quando falo em desprezo não estou me referindo apenas ao apelo de uma militância institucionalizada (que é uma voz legítima e que, portanto, deveria ser ouvida), mas também ao leitor coletivo, as mulheres negras do nosso país. Nesse ponto de minha escrita, invade-me o pensamento da escritora indiana, radicada nos Estados Unidos, Gayatri Chakravorty Spivak, emPode o subalterno falar?. Para ela, não está em jogo apenas o poder da fala, mas o poder de ser ouvido: eu só posso falar se eu puder ser ouvida. Lembremos da frase célebre com a qual Lélia Gonzalez, fundadora do feminismo negro, principia uma de suas apresentações: “Agora o lixo vai falar. E numa boa…” Ao fazer incômoda afirmação, marca o lugar antecedente de subalterna que no momento mesmo dessa enunciação ela rompe.
Não é leviano inferir que ao produzir um programa como o “Sexo e as negas”, a Globo não ouviu este sujeito coletivo. Não ouviu, como também não viu. Não combinou com os russos. Lenda ou não, tornou-se corriqueira a afirmação de que a emissora não se arrisca em produções novas sem antes se acercar de todas os aspectos que as envolvem. Procedimento que não foi adotado para o polêmico seriado (a escolha do nome, a centralidade de Claudia Jimenez no início do primeiro episódio [por que as personagens precisam de outras vozes, de Falabella e de Jesuína, para a constituição dos laços que dão liga ao programa? A voz de outrem, seguindo os passos de Spivak é um fantástico sintoma). Mas por que esse "descuido" na produção de "Sexo...?
Parece que é porque, para a Globo, ainda não atingimos o patamar de seres que podem ser vistas/ouvidas, a não ser pelos olhos e ouvidos de outrem. Desse modo, de episódio a episódio, o seriado nos aprisiona no lugar da subalternidade, mantendo nas sombras as nossas múltiplas formas de ser e estar no mundo.
Mauricio de Sousa comenta 'protesto' de criança contra ausência de personagens negros na Turma da Mônica - Extra
Nesta semana, um aluno do 5º ano da Escola Municipal Professora Irene da Silva Oliveira, em Nova Iguaçu, resolveu usar a capa da sua prova bimestral, ilustrada com um desenho da Turma da Mônica, para fazer uma manifestação artística contra a falta de representatividade para as crianças negras. O menino, identificado como Cleidison, pintou todos os personagens com lápis de cor marrom. A situação curiosa foi divulgada pela professora dele, Joice Oliveira Nunes, nas redes sociais e fez muito sucesso, com mais de 1200 compartilhamentos.
O EXTRA procurou Mauricio de Sousa, criador da Turma da Mônica. Através de sua assessoria de imprensa, o cartunista comentou o caso com exclusividade e elogiou a "saída criativa e carinhosa" do aluno carioca. Confira a declaração de Mauricio na íntegra:
"O menino Cleidison tem razão a partir de sua visão do mundo e do meio.
Por que os personagens das historinhas que ele lê não têm a mesma cor de sua pele?
E corajosamente ele os traz mais para perto de si e dos seus colegas afrodescendentes simplesmente usando lápis de cor.
Saída criativa e carinhosa.
Ele não excluiu os personagens. Ele os trouxe para seu meio.
Sou um dos poucos cartunistas que criou personagens de cor desde o inicio de minha carreira. O Jeremias, que inclusive faz parte de nosso atual show 'Mônica Mundi', junto com Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão, foi criado nos anos 60. No show ele mostra as raízes africanas que compõem nossa nação. Depois vieram protagonistas como Pelezinho, Ronaldinho Gaúcho e Neymar.
Assim como temos a Samira (árabe), Hiro e Neuzinha (japoneses) e tantos outros dos quase 400 que criei nesse universo.
Impossível contar histórias brasileiras sem essa mistura linda de cores e valores.
(Pra mim não há raça branca, negra, amarela... Pra mim existe a raça humana)"
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