Carta de repúdio à Intolerância Religiosa contra os terreiros de Jurema em Pernambuco e demais religiões tradicionais de terreiro – Caso do terreiro de Pai Dedo de Goiana:
No último dia 31 de Março de 2014, no passar da noite para a madrugada do dia 1° de Abril, o terreiro de Jurema Tenda do Caboclo Boiadeiro de Tupi Goiá e Ilê Axé Ogum Toperinan, localizado no município de Goiana/PE, foi incendiado criminosamente por pessoas até então desconhecidas. O terreiro foi queimado cruelmente, em um ato evidente de racismo e intolerância religiosa por vândalos que destruíram imagens de mestras e mestras, objetos pessoais e sagrados. A situação do terreiro é alarmante e nada foi roubado do local.
Espero que este caso não seja mais um entre tantos que o Estado Brasileiro não dá suporte devido e nem ajuda a resolver as questões envolvidas, perpetuando a impunidade. Contudo, a criminalização dos casos de racismo e intolerância religiosa tem que se transformarem em metas concretas do Estado para contribuir efetivamente na extinção destes crimes que são cometidos cotidianamente contra a fé do outro de forma livre e inconsequente, talvez por se haver uma compreensão coletiva de que tais crimes não levam ninguém à cadeia. Evidencio que tais crimes ocorrem cotidianamente contra os terreiro de matriz africana e indígena, crimes estimulados muitas vezes por outras religiões que estimulam este tipo de violência contra os direitos humanos.
Imagem do Mestre Zé Pilintra com a cabeça decepada pelos vândalos. Prova de ódio religioso.
Convoco todo povo de terreiro do Brasil e demais religiões que desejam lutar a favor do respeito à diversidade religiosa e lutar conseqüentemente contra a intolerância religiosa para rediscutir este tema recorrente entre nós, e que estas imagens sejam compartilhadas por todos e todas que desejam ajudar na luta contra crimes desta natureza, revelando a face cruel do que é de fato a intolerância religiosa, e que esta destrói vidas e causa traumas profundos em suas vítimas.
Como membro do Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa, saí de Recife para oferecer algum suporte ao juremeiro e babalorixá Pai Dedo, no intuito de compreender o que havia ocorrido em seu templo. Conversamos bastante e ele expôs toda questão e nos apresentou o contexto/panorama deste crime. Foi feito um B.O. (boletim de ocorrência) e a Polícia Militar está encaminhando os processos com empenho.
Porta do terreiro interditada pelos bombeiros. Há risco de desabamento no local. Ainda estão averiguando a situação predial.
Resto dos objetos sagrados do quarto da Jurema que foram atingidos.
Televisão depredada. Não roubaram nada do local. Apenas destruíram o templo.
Quarto onde eram guardadas as roupas do axé e da Jurema. Totalmente destruído.
Cozinha do terreiro totalmente destruída.
Estou chocado com o que vi naquele local. E fiquei muito feliz com a fé que encobre o Pai Dedo, que mesmo tendo seu patrimônio destruído, estava firme em sua fé na Jurema. Um fato impressionante, e que merece destaque, foi que a mesa sagrada da Jurema não foi queimada. Mesmo envolta de fogo, sequer o pano que a cobria foi queimado. Os assentamentos dos mestres e mestras, os troncos de Jurema, os príncipes e princesas etc. Tudo cheio de cinzas, mas inteiros e firmados. Isso nos fortaleceu na esperança de saber que nossos encantados e ancestrais estão ao nosso lado nos protegendo e nos incentivando nesta luta. O Juremeiro também foi orientado a ligar ao DISK 100 para registrar o caso neste espaço de combate aos crimes contra os direitos humanos, e assim foi feito.
Sequência de imagens que mostram como ficou o quarto da Jurema Sagrada após o incêndio. Atenção à mesa da Jurema. Totalmente preservada.
Mesmo perante a tamanha violência contra o sagrado em seu terreiro, Pai Dedo não perde a fé e continua dizendo que vai reconstruir tudo de novo.
Muito traumatizado com o ocorrido, Pai Dedo lamenta as percas materiais de seu patrimônio, fruto de muito trabalho.
Pai Dedo e eu em momento de reflexão sobre o caso de intolerância religiosa sofrida.
Fachada do terreiro.
Salve a fumaça! O trabalho do Quilombo Cultural Malunguinho está firme e continua com força e fé na luta contra a intolerância religiosa e o racismo! Sobô nirê!
Alexandre L’Omi L’Odò
Membro do Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa da Presidência da República
alexandrelomilodo@gmail.com
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