Nem bem teve sua estréia, a minissérie global “O Sexo e as
Nega”, escrita por Miguel Falabella se propõe a retratar o cotidiano de
mulheres negras, moradoras do subúrbio carioca, que lutam muito por suas vidas.
Lutam e se divertem muito. Conforme declarou em entrevista, contraria e muito a
polêmica criada pelo Movimento Negro que classifica a minissérie como racista.
Ao longo de nossa história, as mulheres negras sempre
tiveram sua imagem degradada. Vale lembrar na história da teledramaturgia o
cúmulo que a Rede Globo chegou ao produzir a clássica novela A Escrava Isaura
tendo Lucélia Santos no papel principal. Anos depois, já nos anos 2000, a Rede
Record faz um remake desta novela, a qual fez sucesso em vários países como
produto made in Brasil, apresentando Bianca Rinaldi como protagonista. O
incrível nas duas versões foi ter conseguido prevalecer nas personagens o fenotipo
caucasiano. Lucélia Santos não tem traços negros, tampoucos mestiços. Bianca
Rinaldi tem seu fenotipo europeu mais forte. A emissora disponibilizou para a
personagem a adoção de perucas e mexas escuras, tentando fazer com que a
escrava se parecesse um pouco morena. Talvez, mais próxima do que se poderia
imaginar por uma escrava.
Anos se passaram e Zezé Mota ganha notoriedade como Xica da
Silva. Papel que Taís Araújo, jovem estreante fez na novela, cujo texto foi
adaptado do cinema e exibida pela Rede Manchete de Televisão. Xica da Silva era
uma mulher politicamente incorreta. Xica também era exibida de uma forma
eurocentrada, pois, ao usar perucas brancas e um visual completamente europeu,
negava a sua negritude. Tanto à época em que viveu, como nos dias atuais, a ascensão financeira de um negro o obriga a
mudar seu figurino e seu estilo de vida. Prosperar significa negar.
Anos passaram e a Rede Globo, a qual projeta nas telas O
Sexo e as Negas, lança A Cor do Pecado. Taís Araújo interpreta a primeira
protagonista negra em uma novela global. Carrega a cor negra e a etnia negra na
simbologia do pecado. Porque ser mulher e ser negra é sim ser da cor do pecado.
Pecado carnal, pecado do sexo. Porque no imaginário machista e eurocentrado a
imagem da mulher negra é a imagem do sexo. Uma negra jamais pode ser vista como
um anjo, mas sim como um demônio. Voltando a falar de história, a negra e o
negro deve ser batizado, deve ser catequizado, porque ser negro é ser pagão.
Ser negro é trazer o pecado em suas entranhas. Pecado que queima e pecado que
diverte.
Agora, vemos novamente a mulher negra, às vésperas de uma
eleição presidencial, quando temos uma mulher negra, Marina Silva, concorrendo
ao pleito e em meio a uma ascensão da população negra graças a programas
sociais dos últimos 10 anos de governo petista, ser lembrada e atachada por uma
nova conotação sexual. A tentativa de exacerbar o preconceito e o esteriótipo
chega as raias da regionalização. Ou seja, o autor da minissérie fala de um
universo carioca, suburbano. Um universo o qual sabemos, para quem gosta de
estudar História do Brasil, mais precisamente a partir da Abolição da
Escravatura, delimitou as áreas de morros e subúrbios à comunidade negra e
mestiça. Porque, para Miguel Falabella, a periferia negra é uma periferia sem
cultura. A tentativa de parodiar uma série, no caso Sex in the City, tentou, de
forma estereotipada, prestar uma homenagem às mulheres negras, tudo isto na
ótica do autor. Uma ótica a qual sabemos que a maior rede de televisão aberta e
privada do país gosta de fazer. Um olhar que delimita as pessoas além do limite
geográfico. E a geografia do Rio de Janeiro faz isto e muito bem. Aos negros e
mestiços sobram a periferia, sobram os morros, sobram as submoradias e os
baixos salários. Sexo e as Nega não
retrata a cara do Brasil. Não retrata a realidade regional dos negros. Não fala
dos negros do Sul, do Sudeste, de São Paulo, de Minas Gerais, da Bahia, de
Goiás, de canto algum. Delimita o poder
de uma rede de comunicação a produzir entretenimento sobre um olhar único, de
uma única região da cidade do Rio de Janeiro.
Sexo e as Nega chega às telas sem o compromisso de fazer
militância e de trazer ao debate a situação do negro. Da mulher negra que
recebe até 70% a menos em relação a um trabalhador branco. Não se dispõe a
apresentar a falta da presença da mulher negra no empresariado. Não se debruça
a apresentar a luta da mulher negra em dupla ou tripla jornada familiar. Não se
propõe a mostrar a vida real das mulheres negras. Se propõe a usar da
brincadeira para colocar as mulheres negras no lugar social a qual devem ficar.
Ficar na periferia, não se importar em se desenvolver. Mas sim se importar em
ser objeto.
Fica a nós, militantes do Movimento Social Negro juntar os
cacos e as sobras das consequências futuras que esta minissérie vai trazer para
as jovens meninas negras. Como jornalista, conheço a força e o poder que o
veículo televisão tem. Já tive oportunidade de fazer televisão e presumo e
avalio as consequências futuras que o Sexo e as Nega vão trazer para todos nós.
Lutamos por anos a fio para trabalhar junto as mulheres negras a estima e a
valorização. Em poucos meses, a televisão se aporta a destruir anos e anos de
trabalho. E promove a construção dos estereótipos. Não nos ajuda, dificulta
completamente a nossa vida militante.
Como seria melhor O Sexo “sem as Nega”.
*Oscar Henrique Marques Cardoso é jornalista, radialista e
escritor. Natural de Porto Alegre, RS, é também secretário executivo da ONG
Grupo Multiétnico de Empreendedores Sociais.
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